Ouvimos com frequência histórias populares e até folclóricas dos peixes cartilaginosos do mar, incluindo as arraias e quimeras e, principalmente, os tubarões. Sim, os tubarões, arraias e quimeras pertencem à mesma classe: os Chondrichthyes! Os Chondrichthyes são registrados desde o início do Siluriano até os dias atuais. Este grupo de peixes ainda é subdividido em elasmobrânquios (tubarões e arraias) e em eucondrocefálios (com único representante vivo, as quimeras). Falando sobre tubarões e sobre paleontologia, cada dente, dentículo e espinho de nadadeira conta uma história marinha antiga sobre habitats, ecologia, interações entre espécies e acontecimentos evolutivos dos tempos geológicos.
Mesmo os Chondrichthyes sendo registrados a partir do Siluriano, no território brasileiro o grupo só se torna diverso e abundante em formações rochosas do Permiano, com elasmobrânquios permianos somente sendo encontrados nas bacias sedimentares paleozoicas do Paraná e Parnaíba.
Um estudo recente intitulado “A new symmoriiform shark and other chondrichthyan teeth from the earliest Permian of southern Brazil”, escrito por paleontologistas brasileiros traz à tona fósseis incrivelmente preservados de tubarões que viviam em águas marinhas frias do Permiano de um ambiente periglacial no sul do Brasil. Muito interessante é que, mais do que dois dentes fossilizados atribuídos a condrictes indeterminados, as descobertas desta recente pesquisa nos revelam um dente fossilizado de tubarão que agora é a primeira espécie de Symmoriiformes brasileira!
Mas, afinal, quem são os Symmoriiformes? São um grupo de peixes condrictes fósseis que existiram do Devoniano Superior ao Cretáceo Inferior, cerca de 400 milhões de anos atrás. Esses peixes apresentam um padrão de dentição característico que chamamos de cladodonte: dente apresentando cinco cúspides, em que a cúspide central é mais alta que as demais e é flanqueada por dois pares de cúspides laterais menores (e que foi usado como base para as conclusões da pesquisa em questão).
Esses três dentes isolados foram encontrados no “Folhelho Lontras”, uma importante unidade estratigráfica da Bacia do Paraná, originada pela deposição de sedimentos em um ambiente marinho de quase 300 milhões de anos atrás, lá no início do Permiano. Essa formação rochosa é como um tesouro fossilífero, recebe até status de Konservat-Lagerstätten, que do alemão significa jazida de conservação! Sua importância paleontológica é global, pela capacidade de conservação de restos de organismos de forma extraordinária. No presente estudo, os autores trazem hipóteses para tal qualidade da preservação, como condições específicas que diminuíram atividade bacteriana, não degradando as partes moles de animais, por exemplo.
A nova espécie foi registrada como Crioselache wittigi sp. nov, o que faz referência às águas geladas que o tubarão vivia durante o período de glaciação e deglaciação. Essa descoberta e a de outros dentes de condrictes é uma peça fundamental no quebra-cabeça da evolução marinha, sendo esses, alguns dos primeiros registros desse tipo tubarão no início do Permiano, destacando, inclusive, a importância de formações rochosas brasileiras para novas descobertas paleontológicas!