Os novos ocupantes das Américas caçando um animal da família Glyptodontidae (tatu gigante da megafauna)
Foto retirada de: https://socientifica.com.br/humanos-pre-historicos-podem-ter-cacado-tatu-gigante-na-america-do-sul/
Imagine você como um fazendeiro transportando seu gado e encontra algo que mudaria parte do passado da humanidade nas Américas. Esse cenário se tornou real para o fazendeiro argentino Juan de Dios Sota.
Durante o transporte dos seus animais pela região dos pampas argentinos, Juan encontrou quatro fósseis de tatus da megafauna (gênero Neosclerocalyptus). Este animais surgiram na América do Sul a cerca de 25 milhões de anos, durante o oligoceno, e foram extintos a aproximadamente 10 mil anos, no início do holoceno - quando os humanos já estavam presentes no jogo da evolução.
Os tatus da megafauna, como popularmente conhecidos, eram verdadeiros tanques de guerra, possuindo uma carapaça composta por placas de ossos fusionados (os osteodermo), podiam chegar até quatro toneladas. Além disso, sua cauda era reforçada e usada como instrumento de defesa, usavam este apêndice, também composto por placas de osso maciço, para poder se defender de grandes predadores, como os felinos e os humanos. Apesar disso, aparentavam ser animais pacíficos que tinham dieta herbívora.
Algo muito extraordinário sobre estes animais, como já foi mencionado, é que eles dividiram parte do seu paleoecossistema com os seres humanos que chegaram nas Américas. Assim, podem ser bons indicadores destas interações entre os antigos homo sapiens e o ambiente que os cercavam. Esta interação aparenta estar muito bem evidenciada nos fósseis encontrados por Juan Sota.
Como discutido no artigo de Delgado et al. (PLOS One, 17 de Julho de 2024), os fósseis apresentavam 32 marcas de cortes nos seus membros posteriores, principalmente na região caudal - cintura pélvica. Alguns podem argumentar que tais marcações talvez fossem feitas por carnívoros e/ou roedores, durante o ataque para caça ou depois, respectivamente. Todavia, estas interações ecológicas, de predação no caso do carnívoro e necrofagia no caso do roedor, não deixam os padrões de marca que encontramos nestes fósseis. Os cortes encontrados nos animais do gênero Neosclerocalyptus aparentavam ser feitos por objetos afiados, como lanças e facas. Logo, os possíveis responsáveis aqui seriam os humanos.
Cortes feitos por lanças e facas, objetos afiados que os paleohumanos usavam para caçar e se defender, deixam padrões muito específicos. Um destes é o que conhecemos como cones hertzianos - Delgado explica que estes são estrias de formato triangular produzidos na superfície do osso quando ele é cortado por um objeto pontiagudo com uma variação de pressão durante o corte. Além disso, as análises estatísticas do artigo demonstram que os cortes tinham apenas dois padrões: cortar e fatiar. Por fim, todos foram feitos na região caudal do fóssil, conhecida por ter uma musculatura desenvolvida - logo, mais carne para quem for comer!
Mas qual a importância disso? Já não sabíamos que estes animais viveram no mesmo período de tempo e interagiam entre si?
Os fósseis de tatu da megafauna encontrados e estudados tiveram uma datação absoluta por C14 entre 21090 e 20811 anos. Todavia, a maioria dos estudos até então, arqueológicos e paleontológicos, dizem que os humanos chegaram na América do Sul há aproximadamente 15 mil anos. Logo, o que se discute com este achado é que talvez nossos ancestrais americanos tenham chegado bem antes do que se considerava, tornando estes fósseis uma grande descoberta para entendermos nossa ancestralidade nas Américas e a história dos humanos pré-históricos.
Artigo de referência para redigir este texto: