Já se perguntou como paleontólogos conseguem descrever hábitos de animais que já não estão mais aqui? Muitas vezes, os vestígios que eles deixam são o que deixa tudo claro: pegadas, caminhos, coprólitos (fezes fossilizadas) ou até tocas.
As paleotocas, como são chamadas, são cavidades subterrâneas que foram cavadas por animais pré-históricos e preservadas durante milhões de anos, até serem ‘descobertas’ por paleontólogos. A maioria das paleotocas foram escavadas por mamíferos (como preguiças gigantes) mas já houve indícios de tocas escavadas por répteis, sinapsidas, dinossauros, crocodilomorfos e até peixes, que serão o foco deste texto. As paleotocas normalmente são vistas como um abrigo temporário para quem os escavou, para se proteger de predadores, reprodução, etc. Na Formação de Adamantina, no triângulo Mineiro (município de Ituiutaba), foi descoberta uma paleotoca que levantou muitas questões: a de um suposto peixe pulmonado!
Figura 1 - Local da Formação de Adamantina, MG
A formação Adamantina, localizada em Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul é uma formação constituída principalmente por arenitos finos. Durante os estudos no local, foi coletado o material que preenchia a paleotoca, incluindo pequenos fragmentos de ossos que foram identificados como ossos de tetrápodes. Mas, como identificar o responsável pela toca?
Existem várias outras paleotocas descritas ao longo da formação, mas sempre encontramos um problema: a encontrada em Minas Gerais é completamente diferente! Ela não possui expansões e câmaras, sendo um túnel simples com a sua base plana e inclinação pequena. As paleotocas de tartarugas Podocnemididae encontradas em São Paulo, por exemplo, são mais intrincadas pois eram utilizadas para botar ovos e se abrigar. Então, tartarugas estão fora de cogitação.
Mas, utilizando a anatomia da toca, já dá pra fazer algumas ligações. Peixes pulmonados, desde o Devoniano, (416 Ma - 359 Ma) são conhecidos pela construção de tocas verticais para estivação, processo em que se enterram para fugir do período de seca e redução do metabolismo, entrando em um tipo de “modo descanso”. A paleotoca encontrada em Minas Gerais possui características muito parecidas com as tocas já conhecidas que foram feitas por peixes pulmonados, então a toca em questão foi atribuída à lista. Ainda assim, é importante salientar que mais descobertas podem ser feitas que invalidam essa hipótese, já que ainda é muito ambíguo se ela foi feita ou não por um peixe pulmonado.
Fig. 2 - Demarcação da paleotoca e osso encontrado em seu interior.
Mas, no fim, por que isso importa? O estudo das paleotocas nos diz muito mais do que parece! O estudo das tocas é tão importante quanto o estudo dos ossos, já que com ele, os hábitos ficam mais claros e pode-se fazer inferências e conhecer ainda mais dos animais que já não estão mais aqui. Além disso, é possível encontrar mais registros ainda dentro das paleotocas (como ovos, ossos, fezes…), o que dá uma visão mais clara sobre o animal, deixando paleontólogos se aproximarem do estudo do indivíduo com outros olhos. No final de tudo, tanto os ossos quanto a “casa” são importantes para os estudos paleontológicos, pois permitem que exista uma visão mais completa sobre a espécie, que talvez estivesse incompleta se não fosse o que foi achado.
Texto base:
Rangel, C. C., Francischini, H., Rodrigues, S. C., Netto, R. G., Buck, P. V., & Sedorko, D. (2022). A possible lungfish burrow in the Upper Cretaceous Adamantina Formation (Bauru Basin, Brazil) and its paleoecological and paleoenvironmental significance. Revista Brasileira De Paleontologia, v. 25(3), p. 167–179. Doi: https://doi.org/10.4072/rbp.2022.3.01 Disponível em: https://sbpbrasil.org/publications/index.php/rbp/article/view/336 (Acessado em: 05/12/2024)