Várias técnicas têm sido utilizadas para auxiliar na cura de lesões cutâneas, associadas a géis e antibióticos modernos, mas os tratamentos são demorados, caros e nem sempre eficazes.
A terapia com larvas de moscas, também conhecida como Terapia Larval (TL), consiste na utilização de larvas vivas e previamente descontaminadas de algumas espécies de moscas, para limpeza e remoção de tecidos sem vida. A observação de que as larvas de certas moscas podem ajudar a limpar ferimentos e apressar a cura levou à terapia larval, que teve seu apogeu entre as guerras mundiais.
A presença de tecido debilitado em feridas constitui-se em fator de influência negativa na evolução da cicatrização. Portanto, a retirada de tecido necrosado (tecido após sofrer morte celular) de uma lesão tem como finalidade remover exsudato, eliminar microrganismos e resíduos metabólicos nocivos que retardam a cicatrização. Portanto, o objetivo da terapia larval é manter o meio ideal para que a cicatrização ocorra em menor tempo. Ademais, percebeu-se que os antibióticos levavam à resistência, e que os tratamentos eram caros e resolviam somente parte dos casos, não conseguindo impedir consequências graves, como as amputações.
Sim, então é "basicamente" utilizar larvas de moscas para digerir o tecido necrosado e preservar o tecido saudável.
Problema no início:
Baer obteve bons resultados após aplicação de larvas de moscas em feridas de quatro crianças com osteomielite, no Hospital John Hopkins em Baltimore, em 1927, porém, alguns pacientes desenvolveram tétano, o que o levou a concluir que havia necessidade de descontaminação das larvas.
Como funciona na prática?
1) Escolher moscas que se alimentam unicamente de tecido necrosado, como por exemplo, as moscas da família Muscidae - Musca doméstica e Calliphoridae, em especial Phaenicia sericata;
2) Reproduzi-las em laboratório;
3) A superfície externa dos ovos destes insetos normalmente também é muito contaminada com bactérias, por isso em vários países empresas produzem e fornecem larvas para a TL. Nestes locais os ovos das moscas são descontaminados e manuseados de forma asséptica e com equipamentos adequados. Este processo de descontaminação normalmente se inicia com a agitação dos ovos em solução detergente, posterior imersão em um agente descontaminante e em seguida enxágue em solução fisiológica estéril e armazenamento em frascos estéreis, contendo um substrato apropriado para eclosão e manutenção da viabilidade das larvas. Podem ser esterilizadas por raios ultravioletas também;
4) Realizar técnica asséptica;
5) Marcar a borda da lesão com uma folha plástica estéril;
6) Recortar um orifício na flora, expondo somente a lesão;
7) Adicionar solução fisiológica 0,9% ao frasco onde se encontram as larvas;
8) Preparar camada de gaze e em seguida uma camada de gaze de Nylon, que permite a entrada de ar para que as larvas se movimentem no exsudato;
9) Colocar o conteúdo do frasco no centro das gazes;
10) Aplicar as gazes na ferida, fixando, com esparadrapo, a gaze na folha;
11) Envolver o curativo de forma que permita a entrada de ar para as larvas;
12) Avaliar a lesão diariamente, em especial o exsudato. Embora o curativo com larvas possua indicação de permanência no leito da lesão por um período de 24 a 72 horas, as larvas produzem grande quantidade de exsudato, o que pode demandar a troca do curativo;
13) Durante a troca do curativo, deve-se retirar o curativo, limpar com solução fisiológica 0,9% e retirar as larvas remanescentes com pinça;
Por que utilizar (vantagens)?
As principais vantagens da terapia com larvas incluem: retirada de tecido desvitalizado seletivamente, isto é, pela remoção apenas de tecido necrótico, preservando o tecido viável; ação bactericida (impedimento da proliferação de bactérias), estimulação do processo de cicatrização, devido à secreção de substâncias de algumas substâncias de ação cicatrizante que alcalinizam o meio. Além disso, possui baixo custo e grande eficiência.
Por que não utilizar (desvantagens)?
Esta terapia não é recomendada nas seguintes situações: quando há comprometimento da irrigação sanguínea (o fluxo adequado de sangue é elemento essencial no processo de cicatrização); cavidades do corpo; fístulas; próximo a grandes vasos; em lesões com necrose seca.
Exemplo
Tanyuksel e outros cientistas utilizaram a terapia com larvas de moscas em um hospital militar na Turquia, para cicatrização de feridas crônicas, em sete homens e quatro mulheres, com idades entre 21 e 72 anos. Neste estudo, foi observado completo desbridamento em 10 (dez) dos 11 clientes tratados com a terapia, em um período máximo de 9 (nove) dias de tratamento.
Ok e o nosso Brasil?
Vários países utilizam dessa técnica, como Estados Unidos e alguns países da Europa, principalmente no Reino Unido, Alemanha, Holanda e Suécia. No Brasil, já existem pesquisas desenvolvidas em animais, com a aplicação de larvas de moscas na cicatrização de lesões de pele, no entanto, não há informações sobre a comercialização de larvas de moscas para terapia em seres humanos em nosso país.
IMAGENS (FORTES PARA ALGUNS)
Imagens: Jukema, 2002.
Referências bibliográficas:
FRANCO, L. C. – Avaliação da aceitabilidade da terapia larval no tratamento de feridas. Universidade Federal de Goiás, 2010.
JUKEMA, G.N.; MENON, A. G.; BERNARDS A. T.; STEENVOORDE, P.; TAHERI RASTEGAR A. & VAN DISSEL J.T. 2002. Amputation-Sparing Treatment by Nature: “Surgical” Maggots Revisited . Clinical Infectious Disease, 35: 1566–71.
MARCONDES, C. B - Terapia larval de lesões de pele causadas por diabetes e outras doenças. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006. 88p. ilus. ISBN 853280352-0
NITSCHE, M. J. T - Avaliação da recuperação das lesões cutâneas por meio da terapia larval utilizando como modelos ratos Wistar / Maria José Trevizani Nitsche - Botucatu, 2010.
Passei 2 horas pesquisando como que as moscas passaram tétano para as crianças... para descobrir que tinha uma explicação embaixo. (Excelente post, aliás)