A acessibilidade deve ser pensada como uma forma de promover a autonomia das pessoas com deficiência, bem como garantir o acesso aos diversos aparatos culturais, educacionais e de lazer, incluindo os museus. Conhecer seu público e espaço, formar adequadamente sua equipe e ter convívio com pessoas com deficiência são algumas dicas importantes para acessibilidade em museus.
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Minha relação com a acessibilidade...
A minha relação com as questões de acessibilidade começa desde que eu estava na barriga da minha mãe... Sou CODA, isso significa que sou uma pessoa ouvinte filha de mãe surda. O termo, originário do inglês, é uma abreviação para “Child of Deaf Adults” que em português, pode ser traduzido para “Filhos de Pais Surdos”.
Esse termo representa as pessoas ouvintes que têm pai ou mãe surdos, ou até mesmo ambos. Anos mais tarde ganhei uma mãedrasta também surda e as proximidades com diversas pessoas surdas só aumentou.
Sou formada em Ciências Biológicas e fui educadora de museus por mais de 10 anos, atuei no Museu de Biodiversidade do Cerrado (MBC), vinculado ao Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia, e no Museu de Microbiologia (MMB), do Instituto Butantan, na cidade de São Paulo. Muitas vezes, durante o meu trabalho, tive diversos questionamentos sobre o atendimento de pessoas com deficiência.
Um desses questionamentos era: “Como vou explicar para uma pessoa surda, como é o canto de um pássaro?!” (No MBC havia um aparato com cantos de pássaros para os visitantes ouvirem e interagirem).
Até então, eu não tinha contato com a Libras, Língua Brasileira de Sinais, uma vez que minha mãe nasceu ouvinte, foi alfabetizada em português e foi perdendo a audição, de forma gradativa, a partir dos 12 anos de idade.
Desde então, ela foi aprendendo a leitura labial e começou a usar aparelho auditivo, ou seja, nossa comunicação nunca foi pela língua de sinais. Diante desse fato, percebemos que há uma considerável diversidade no mundo da surdez; são diversos níveis, diversas formas de comunicação e diversas vivências.
Só quando comecei a estudar Libras, já no mestrado, que entendi que é possível, sim, traduzir qualquer conceito, sons e/ou situações, para a língua de sinais.
Durante anos de estudos e pesquisas, busquei aprofundar-me na área de acessibilidade em museus, fazendo com que todas as minhas ações pessoais e profissionais tivessem esse assunto como destaque.
O fato de ter contato com pessoas com deficiência desde cedo fez de mim uma pessoa ativa na busca por espaços acessíveis, principalmente os museus. A importância da acessibilidade é inquestionável, ela beneficia todas as pessoas, com e sem deficiência, crianças, idosos, qualquer público.
A acessibilidade deve ser pensada como uma forma de promover a autonomia das pessoas com deficiência, bem como garantir o acesso aos diversos aparatos culturais, educacionais e de lazer.
Durante o meu doutorado, fiz uma análise das perspectivas do educativo do Museu de Microbiologia sobre acessibilidade. É a partir disso que eu compartilho com vocês, pessoas museais, um pouco da minha experiência como educadora e pesquisadora na área de acessibilidade em museus de ciências.
Importante salientar que essas dicas não se limitam aos museus de ciências, mas a quaisquer tipos de museu.
4 dicas para aprimorar a acessibilidade em museus:
1. Pesquisa de público
Ao longo dos anos os museus têm conseguido ampliar o seu público de visitação. Inicialmente os museus tinham um caráter elitista e exclusivo, porém essa característica vem mudando ao longo dos anos.
Públicos diversos têm acessado ativamente novos espaços públicos. Para que se tenha uma clareza de qual é o público que visita o seu museu, bem como quais públicos gostaria de atingir e captar para o espaço, é importante que o educativo/instituição desenvolva pesquisas de públicos.
São através dessas pesquisas que o museu poderá criar atividades e estratégias de divulgação para ampliar a visitação, além de compreender o seu papel enquanto instituição cultural, científica, tecnológica e de ensino.
Além disso, é possível traçar perfis sociodemográficos dialogando com a inclusão de pessoas que eventualmente estão à margem da sociedade e não acessam espaços como os museus.
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2. Formação da equipe
A formação da equipe educativa é imprescindível para um bom atendimento e garantia da acessibilidade atitudinal e programática. Garantindo que o conjunto de práticas, atitudes e comportamentos dessa equipe promovam a plena participação de pessoas com deficiência na vida em sociedade.
Quanto mais preparada a equipe melhor será a experiência do visitante. Além de que uma boa formação é importante para o próprio educador/monitor/mediador que escolheu a educação não formal como área de atuação profissional e/ou de pesquisa.
As formações podem ser pensadas de forma coletiva e colaborativa,
respeitando as características de cada espaço. É importante também que as formações sejam pensadas para que sejam contínuas e abarquem o maior número de áreas.
Outra indicação é ter as formações de acessibilidade como braço de um programa maior de formação. Muitas pessoas com deficiência oferecem serviços de consultorias para museus e espaços públicos, essa é uma boa oportunidade para criar contatos, aprender novos conceitos e disseminá-los pelo seu espaço.
3. Convívio com pessoas com deficiência
Para além dos visitantes com deficiência, tenha pessoas com deficiência na sua equipe. Quantas pessoas com deficiência trabalham em museus? Quantas ocupam cargos de gestão e chefia? Nós, enquanto sociedade, temos o dever de garantir o acesso dessas pessoas também nos campos profissionais e acadêmicos.
Quando você convive com uma diversidade de pessoas você consegue entender melhor as necessidades de todos e pode proporcionar atividades, exposições, comunicações e eventos que serão inclusivos para um maior número de pessoas.
4. Avaliação do espaço, exposições e das atividades
É muito importante que os espaços façam avaliações das suas exposições, aparatos e ações educativas.
Quando você receber um grupo ou visitantes espontâneos tenha sempre esses dados coletados e sistematizados, isso vai ajudar a equipe educativa a melhorar as ações, pensar e/ou desenvolver novos aparatos, que sejam mais acessíveis, pensar novas exposições etc.
Outro ponto importante é sempre considerar a acessibilidade a partir do projeto de criação da exposição permanente ou temporária, nunca após a exposição finalizada e instalada. A acessibilidade deve ser um pensamento introjetado nas nossas ações.
(Fonte: Pixabay)
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Institutos referência na acessibilidade em museus
Alguns museus são referências quando o assunto é acessibilidade e destaco três espaços da cidade de São Paulo:
O Museu do Futebol desenvolve o “Projeto Deficiente Residente” que qualifica o atendimento às pessoas com deficiência que visitam o Museu. Pessoas com deficiência são convidadas para trabalhar no espaço, convivendo com a equipe para quebrar as barreiras de atitude e comunicação.
Os residentes ajudam a aprimorar os recursos de acessibilidade disponibilizados pelo Museu, a desenvolver jogos educativos inclusivos, e a promover pequenos ajustes no espaço expositivo para que as visitas sejam realmente acessíveis para todos.
O projeto teve início em 2010 e é referência nacional em acessibilidade para Museus. A cada residência, o espaço desenvolve junto com o participante um produto educativo baseado na sua experiência.
A Pinacoteca do estado de São Paulo desenvolve diversos programas educativos, dentre eles estão os Programas Educativos Inclusivos (PEI), que abrangem os programas inclusivos, dedicados ao chamado “não público” do museu, aqueles que não costumam frequentar espontaneamente a instituição.
De acordo com informações do site da Pinacoteca, dentro do PEI, há o Programa Educativo Para Público Especial (PEPE) que busca promover o acesso de grupos de pessoas com deficiências sensoriais, físicas, intelectuais e transtornos mentais à Pinacoteca, por meio de uma série de abordagens e recursos multissensoriais.
As visitas educativas são realizadas por educadores especializados, inclusive em Libras (Língua Brasileira de Sinais), por uma educadora surda. O PEPE também realiza cursos de formação para profissionais interessados em usar a arte e o patrimônio como recursos inclusivos e desenvolve publicações para o público deficiente visual e auditivo.
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Já o Museu da Inclusão preserva, pesquisa e comunica a memória de luta do movimento social e político das pessoas com deficiência no estado de São Paulo e suas ressonâncias no Brasil.
A sua exposição permanente foi articulada colaborativamente entre os membros e lideranças atuantes desde 1981, que possuíam documentos e registros sobre o processo de mobilização e articulação do movimento da pessoa com deficiência durante o final dos anos de 1970 e 1980.
Dentre as muitas atividades que o museu realiza destaca-se os debates sobre o desempenho da cadeia operatória da museologia sob o olhar da acessibilidade e inclusão.
Além disso, o museu é completamente acessível, tanto na parte física como comunicacional, e as exposições temporárias são produzidas por artistas com deficiência.
É importante destacar que os museus citados são apenas referências próximas, já que resido na cidade de São Paulo há muitos anos.
Há muitos espaços pelo Brasil caminhando e lutando pela acessibilidade do seu espaço. Você conhece algum? Deixe seu comentário e mensagem ao final deste texto!
Se atentando a acessibilidade em museus
E se você, que está lendo esse texto, é um visitante assíduo de museus, de agora em diante poderá estar mais atento às questões de acessibilidade.
O museu que você foi, ou vai, tem acessibilidade física? Tem rampa, piso tátil, banheiro acessível, cadeira de rodas disponível? Os educadores sabem Libras? Há janelas em Libras e legendas nos vídeos? Tem materiais táteis e legendas em braille? Possui audioguias e audiodescrição? Iluminação e horários especiais para pessoas neurodivergentes? Sinalizações adequadas?
Convido-o a se tornar também um aliado da acessibilidade em museus. Seja bem-vindo!
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Escrito por: Ianna Gara Cirilo
Revisado por: Nicolas Nathan dos Santos
Como citar este texto:
CIRILO, I. G. Acessibilidade em museus, como aprimorar? Relatos e vivências de uma educadora. Potencial Biótico. Disponível em: <https://www.potencialbiotico.com/post/acessibilidadeemmuseus>. Acesso em:
Referências:
CIRILO, I. G.; SILVA, J. R. S. Acessibilidade no museu de microbiologia do Instituto Butantan. Areté - Revista Amazônica de Ensino de Ciências, Manaus, v. 21, n. 35, e23037, 2023. doi: <https://doi.org/10.59666/Arete.1984-7505.v21.n35.3668>
MUSEU DO FUTEBOL. Acessibilidade. Disponível em: <https://museudofutebol.org.br/acessibilidade/>. Acesso em: 11 jun. 2024.
PINACOTECA DE SÃO PAULO. Programas. Disponível em: <https://pinacoteca.org.br/pina/educacao/programas/>. Acesso em: 11 jun. 2024.
SISEMSP. Museu da Inclusão. Disponível em: <https://cem.sisemsp.org.br/instituicao/23359/>. Acesso em: 11 jun. 2024.